“Triste com método”, por Constantin Zaharia

Tristeza, desespero, tédio, amargura, ou ainda o dor, espécie de saudade romena… O escritor experimentou todos os graus da melancolia, indissociável do pensamento.

Por Constantin Zaharia

Artigo publicado no dossiê “Cioran: désespoir, mode d’emploi”, da Magazine Littéraire, maio de 2011

Derivado do latim dolus, o dor romeno pode ser traduzido em francês por “nostalgia”. A palavra, no entanto, é carregada de sentidos difíceis de transpor a outro idioma. Em romeno, a expressão mi-e dor de… significa a falta provocada geralmente pela ausência de um ser querido e pelo desejo de revê-lo. Pode exprimir o amor ou a amizade. Ademais, o uso é pouco frequente em outros contextos, sobretudo no meio citadino, pois o dor participa de uma estética e de uma experiência criadora que são aquelas da cultura popular, essencialmente rural. Durante séculos, a sensibilidade campesina se manifestou por meio da poesia e da canção, notadamente a doina, próxima de uma tonalidade elegíaca, na qual o dor encontra definitivamente o seu lugar.

Desenraizamento metafísico

O dor, portanto, é mais ambíguo que a nostalgia: remete tanto ao passado quanto ao futuro; o lamento do impossível retorno in illo tempore não é obrigatório. É um desejo mesclado ao sofrimento, uma aspiração que não conhece realização, pois aquele que a experimenta se situa numa indeterminação da qual não conhece as possibilidades de realização. Ele só pode pressenti-la, mas não exige sua manifestação. O objeto do dor é fundamentalmente indefinível. Viver aquilo que se deseja tornar-se como um doce sofrimento é mais importante que ver seus desejos realizados, pois a qualidade desse langor é superior ao que se pode obter pela obtenção dos seus desejos.

Cioran raramente empregada a palavra romena dor, exceto para se entregar a uma espécie de exercício daquilo que ele chama “a apreensão da essência dos povos por sua maneira de participar do vago.” Sua análise contém uma crítica implícita ao espaço romeno. Ele considera a palavra como a expressão do desenraizamento metafísico: “O dor é, justamente, sentir-se eternamente distante de casa.” É um abandono em nome de uma indeterminação que adquire dimensões mais gerais ainda, pois se chega a não ser já de nenhum lugar. “Dir-se-ia que a alma não se sente mais consubstancial com o mundo. Então ela sonha com tudo o que perdeu. É a negação da coragem trágica, do abandono no combate.” De todas as utopias do coração, a mais estranha é a do dor, que evoca “um universo natal, onde se repousa de si mesmo, um universo-travesseiro cósmico de todas as nossas fadigas.” (Éxercises négatifs, p. 119) Considerada a essência melancólica do dor, é estranho que Cioran não lhe faça referência de maneira mais explícita quando afirma: “Sou um lamento ambulante, e a nostalgia devora meu sangue e se devora ela mesma” (Cahiers, p. 72), tanto mais é por ele perseguido. Acontece de ele inclusive nomear, nessas situações, seu país e sua infância.

“Despertar para o atroz”

O horizonte afetivo do pensamento de Cioran é a melancolia. Uma multidão de ideias próximas, que são todas sinonímicas, irrompem de seus escritos para designar os sofrimentos inauditos, que nenhum remédio é capaz de aliviar. Ele suporta um a um os tormentos do tédio e da melancolia (cafard), da acídia e da preguiça, do ódio e do rancor, do desespero e da angústia, do remorso e da tristeza, e uma lista de equivalentes inventados para nomeá-la está longe de se esgotar. É uma experiência de uma riqueza fecunda, que começa na adolescência, uma vez que ele se torna insone. É a perda do sono que implica o “despertar para o atroz” (Cahiers, p. 677) e a revelação de verdades insustentáveis que conduzem ao desespero e legitimam a distância em relação aos homens, da civilização, de Deus.

Antes de ser um estado de espírito ou um temperamento, a melancolia é um humor (mélaina cholé significa, em grego antigo, “bílis negra”), um produto fisiológico que desempenhava um papel determinante na medicina hipocrática, fundada em um sistema de quatro humores (sanguíneo, bilioso, melancólico, fleumático). Como o humor se evade do domínio médico?

As virtudes da bílis negra

O Problema XXX, 1, atribuído a Aristóteles,[1] estabelece uma ligação estreita entre o temperamento negro, responsável por tantos danos, segundo Hipócrates, e o homem excepcional, seja ele artista, filósofo, político ou herói. A proposição de Aristóteles não é médica; ele não se detém sobre os detalhes nosológicos. Para ele, é o caráter cambiante da bílis negra que vai explicar a eminência do melancólico; é preciso ainda que este o seja por compleição natural, e não por um excesso sobrevindo acidentalmente. Esta relação entre a melancolia e o homem de gênio, estabelecida pelos peripatéticos, será retomada nas Cartas do pseudo-Hipócrates,[2] e transmitida pela tradição em diferentes formas. Entretanto, é somente a partir do Renascimento que a melancolia é necessariamente associada ao criador. Da Melencolia de Dürer aos langores românticos, numerosos foram os deslocamentos que modificaram seu sentido, sem transformá-lo fundamentalmente. Mais receptivo às contribuições que às metamorfoses espetaculares, e sobretudo fiel à sua transversalidade, a ideia de melancolia permaneceu associada ao medo e à tristeza, como o quer o aforismo VI, 23, de Hipócrates, e conjuntamente ao entusiasmo, ou seja, à violência sob suas formas mais variadas, como o sugere o Problema de Aristóteles: veemência, ressentimento, ódio ou furor.

Quando Cioran evoca “a amargura das entranhas” (Cahiers, p. 214), ou a “lógica do fel” (Oeuvres, p. 767), ou ainda quando menciona o inesgotável gosto de vinagre no seu sangue (Oeuvres, p. 1244), ele se situa na tradição do humorismo. Fiel ao mal secreto que o devora, ele é o primeiro a saber que só triunfará provisoriamente sobre ele, e que a bílis negra, não importa o que ele faça, estará sempre lá para acompanhá-lo no desespero, na tristeza ou no cafard alojado em seu sangue. “De onde pode derivar essa tristeza desumana? Vejo sua causa num duplo desastre: metafísico e psicológico.” (Cahiers, 357), explica ele se refugiando a cama e cobrindo sua cabeça para esquecer os assaltos do “cafard cósmico”. O “desastre fisiológico” não passa de um eufemismo pelo qual Cioran afirma a natureza em parte humorosa de sua tristeza desumana.

O que Kant ou Hegel não podem saber

A melancolia se torna o segundo plano em que se elabora um saber que a filosofia não está à altura de apreender nem de transmitir o alcance. Cioran reage diversas vezes à tradição filosófica, para denunciar sua vaidade e se posicionar na contracorrente, como ele gosta de fazer em todas as circunstâncias. Ele considera o pensamento de Kant ou de Hegel, entre outros, com a ironia de quem sabe mais sobre a vida do que qualquer outro filósofo. Ele lhes opõe o pavor do troglodita diante do “desfile de calamidades que se desenrolam sob seus olhos.” (Oeuvres, p. 1258), e denuncia sobretudo a equanimidade que eleva ao conhecimento o prestígio de ter sofrido para ter chegado lá. Aquele que desde sua juventude se propõe a “estar triste com método” (Oeuvres, p. 219) continuará sofrendo sua autoridade sem se apartar para tantas fontes de reflexão, o que não o impedirá de proclamar que é “um Mongol devastado pela melancolia” (Cahiers, p. 34), quanto mais sofre “acessos de melancolia de que o Diabo mesmo ficaria com inveja” (Cahiers, p. 219).

É o caso de se espantar que a nuance afetiva de tudo o que Cioran escreveu seja aquela da tristeza? Que ele não tenha nunca formulado uma só frase para exprimir a alegria ou a felicidade? A literatura dos moralistas, pela qual Cioran é aficionado ao ponto de considerá-la seu modelo, exprime com frequência a decepção, tonalidade bastante próxima do taedium vitae que o autor dos Silogismos da Amargura praticava ativamente. À exceção de que Cioran lhe atribui um papel heurístico inédito: “Abomino toda ideia indiferente: não estou triste sempre, logo, não penso sempre” (C., p. 666). Ele escreve para designar-se precisamente como “antifilósofo” e para dizer também que não existe pensamento fora da tristeza, que tudo o que concebe o espírito está impregnado dela, que a própria escrita não existiria na ausência de tudo o que a melancolia o faz suportar.

Tradução do francês: Rodrigo I. R. Sá Menezes


[1]

[2]