Monografia: “A morte de si: uma possível interpretação do suicídio através do Breviário de decomposição e d´O mito de Sísifo” (Luccas Stangler)

Trabalho de Conclusão de Luccas N. Stangler apresentado em 2017 ao Curso de História da Universidade de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do grau Bacharel em História.

Resumo: Propõe-se aqui um estudo acerca do suicídio na história do pensamento ocidental através das obras de Albert Camus (O mito de Sísifo) e Emil Cioran (Breviário de decomposição). Será uma breve interpretação de como tal fenômeno fora visto à época dos autores e tal se dará a partir de um mapeamento de como o suicídio reverberou no pensamento de ambos.

Palavras-chave: Suicídio. Angústia. Absurdo. Europa Ocidental. Século XX.

*

“Contra a obsessão da morte, os subterfúgios da esperança revelam-se tão ineficazes
como os argumentos da razão: sua insignificância só faz exacerbar o apetite de morrer.
Para triunfar sobre este apetite só há um único ‘método’:
vivê-lo até o fim, sofrendo todas as suas delícias e tormentos,
nada fazê-lo para escamoteá-lo.”
(Emil M. Cioran)

Introdução

Um jogo, uma série do Netflix, um filósofo romeno e um escritor argelino. Como estes quatro poderiam estar relacionados? Todos eles, à sua maneira, tratam do suicídio. Considerado enquanto problema de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que a cada 40 segundos uma pessoa se mate em algum lugar do planeta, sendo que por ano cerca de oitocentos mil indivíduos tiram as suas vidas. Foi, estudos indicam, a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em 2015.[1] No Brasil, entre 2000 e 2012, a taxa de suicídio aumentara em 40% na faixa-etária dos 10 a 14 anos e 33% entre 15 a 19 anos.[2]

Tida até os dias de hoje enquanto tabu, essa temática sempre suscitou interesse em mim, seja do ponto de vista histórico, sociológico ou filosófico. Estando a morte necessariamente vinculada à existência, aquele que visa tentar compreender a vida não pode desvencilhar-se das relações que essa possui com o perecer. Não à toa, áreas diversas do conhecimento tem se debruçado sobre esse assunto na tentativa de compreendê-lo melhor. Há, inclusive, menção à autoaniquilação na música, como em “Suicidal Dream” da banda australiana Silverchair.

O jogo em questão se chama Baleia azul. O nome fora dado porque os participantes devem desenhar, com uma faca ou Gillette, o animal no braço ou na perna. Jogado através das mídias sociais – o Facebook está entre elas – e com duração de 50 dias, consiste na realização de tarefas que são dadas pelos administradores do grupo que giram em torno da automutilação e tem como última incumbência matar-se. De acordo com o tabloide britânico The Sun, citando o jornal russo Novaya Gazeta, houve 130 mortes de si na Rússia, de novembro de 2015 até abril de 2022.[3] No cenário brasileiro, investigações estão sendo feitas para comprovar a ligação entre o jogo e sete tentativas de autoaniquilação nos estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Bahia e Paraná[4]: ainda que até o momento não se conssiga provar a relação direta dessas mortes com a Baleia Azul, o número de óbitos não deixa de ser alarmante e  indicativo da recorrência desse ato na atualidade.

A série chama-se 13 Reasons Why e fora ao ar pela primeira vez no Netflix em março de 2017, sendo traduzida como “Os 13 porquês”. Baseada no livro homônimo[5] do escritor Jay Asher, conta a história de Hannah Baker, uma adolescente que decide se matar e expõe, através da gravação de treze áudios, as razões da sua resolução: bullying, isolamento dos colegas, estupro, não compreensão dos pais e professores. Segundo Chai Brady, colunista no site do The Independent irlandês, a série tem recebido diversas críticas por glorificar e até incentivar o suicídio. Para o psicanalista Mario Corso, a protagonista “não parece uma personagem verossímil, porque ela tem uma narrativa muita clara da sua dor.”[6]

A empresa Netflix, por sua vez, defendeu-se das acusações alegando que, contrariamente do que se tem dito, 13 Reasons Why tem possibilitado o diálogo entre os diversos setores da sociedade – pais, filhos, escolas, especialistas – acerca do tema.[7] A própria produtora da série criara um documentário, 13 reasons why: beyond the reasons, com o intuito de mostrar como foi a produção da série e de expor, com depoimentos do elenco de 13 Reasons Why, a importância do tema e a necessidade de dialogar sobre esse assunto. De acordo com Robert Paris, presidente do Centro de Valorização da Vida (CVV), desde que a série estreou houve um aumento na procura por ajuda de 445% através de e-mail e cerca de 170% pelo site da instituição.[8]

O autor francês, nascido na Argélia, é Albert Camus. Em 2008 tomei conhecimento de um romance que narra a história de um rapaz que não chorou no enterro de sua mãe e que havia matado um árabe: O estrangeiro (1942). Logo nas primeiras linhas perdi o fôlego. As páginas dessa obra, desde então, continuaram a serem (re)lidas cuidadosamente até hoje. Em 1967, recebera uma adaptação ao cinema, Lo Straniero, contando com a direção de Luchino Visconti e a atuação de Marcello Mastroianni. Depois de L’Étranger, li outros escritos de Camus e o que mais se aproxima do objeto do estudo deste trabalho é O mito de Sísifo (1942), uma coletânea de ensaios acerca de assuntos variados.

Emil M. Cioran foi um caso à parte. No meio dos e-mails trocados com o amigo Jason de Lima e Silva, o autor romeno foi mencionado através da seguinte citação: “Um pensamento seca mares, mas não pode enxugar uma lágrima”. Curioso o que ficou: li primeiramente Lágrimas e Santos (1936), depois Ese maldito yo (1986) e por fim Breviário de decomposição (1949). Suicídio, niilismo, tédio e declínio da civilização ocidental[9] estão entre os temas trabalhados por Cioran.

Assim, pergunta-se: em que medida o suicídio pode ser considerado um problema de trabalho de conclusão de curso no âmbito da história? Fazer a reconstrução histórica dos argumentos favoráveis e contra através da história das ideias é um instrumento que pode auxiliar na compreensão do fenômeno ao longo dos séculos até chegar na Era contemporânea. Apesar da individualidade de cada autor, mostrar-se-á como o pensar o suicídio estava em consonância com o momento histórico de ambos e o quão forte reverberou nos escritos de Camus e Cioran. Ainda cabe ressaltar que por mais que tenha havido menção da morte de si na Grécia Antiga, o vocábulo suicídio é do século XVII. Desde então, foi traduzido para as principais línguas europeias, ganhando verbete no Dictionnaire da Académie française em 1762.[10]

Assim, foi um grande desafio que resolvi enfrentar como alguém que enfrenta seus fantasmas do pretérito: atento ao que foi produzido, aberto às sugestões e com a certeza de que aquilo que se terá como resultado será apenas um esboço e não um trabalho definitivo.

Capítulo I

Álvaro de Campos, um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa, poetizou a autodestruição, um dos temas recorrentes, todavia não exclusivo, da modernidade. Em tom provocativo, o desassossegado escritor destilou sua ironia:

“Se te queres matar, por que não te queres matar?

Ah, aproveita! Que eu, que tanto amo a morte e a vida,

Se ousasse matar-me, também me mataria…[…]

De que te serve o teu mundo interior que desconheces?

Talvez, matando-se, o conheças finalmente…

Talvez, acabando, comeces… […]”[11]

Essa poesia está como outros tantos textos – de caráter poético, filosófico, sociológico, literário – sobre a questão que remonta à Antiguidade e que reverbera até os dias de hoje, nas nações ocidentais. Salienta-se, ainda, que a história intelectual do suicídio no Ocidente foi construída, com rupturas e continuidades, através de argumentos reinterpretados[12] ao longo dos séculos por intelectuais de diversas áreas do conhecimento.

Em Críton, de Platão, Sócrates, que havia sido sentenciado por supostamente corromper os jovens, fora aconselhado por aquele que deu nome à obra a fugir ao invés de cumprir sua pena. Recusou o seu conselho e imaginou o que as Leis de Atenas teriam dito a ele. Escreveu I. F. Stone, “As Leis argumentam que Sócrates, tendo gozado da proteção das Leis de Atenas durante toda a sua vida, estaria agora rompendo o contrato se fugisse, em vez de obedecer a um decreto legal, simplesmente por considerá-lo injusto.”[13]

Mas por que Sócrates preferiu a morte ao exílio? José Trindade Santos, sobre Críton, escreveu que os dois pilares da ética socrática explicariam o porquê da escolha do filósofo:

1) Viver bem (eu dzên, no sentido psicológico), com honra (kalôs, no sentido político) e com justiça (dikaiôs, no sentido ético) são o mesmo (Crít., 48b);

2) Não se deve cometer injustiça (adikein), retribui-la (antadikein), ou fazer o mal (kakon poiein), nem violar os justos acordos, pois isso é mau e vergonhoso (49a-e).[14]

Se viver não é o que importa, mas sim viver bem, estaria Sócrates admitindo a possibilidade do suicídio? A resposta para tal questionamento está em Fédon de Platão – sendo este o primeiro registro, até onde se tem notícia, de um juízo de valor acerca da morte de si no mundo ocidental. Nele, há um trecho em que Sócrates está dialogando com seus amigos momentos antes de beber cicuta, bebida venenosa com a qual fora sentenciado a ingerir. Quando indagado por Cebes sobre a sua opinião no que diz respeito à autoaniquilação, Sócrates apenas admitia tal ato – o de matar a si próprio – caso fosse enviada esta específica ordem por alguma divindade.[15]

Essa linha argumentativa defendia a seguinte posição: a vida não nos pertence, à medida que foi dada pelos deuses, portanto não nos caberia decidir a hora da partida. Tal justificativa seria retomada, à sua maneira, pelos teóricos do cristianismo – em Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, por exemplo – séculos depois. Este último, aliás, argumentou que “quem se priva da vida peca contra Deus, assim como quem mata o servo de um outro peca contra o senhor a quem o servo pertencia… Somente a Deus, com efeito, pertence o juízo sobre a vida e a morte…”[16]

Ainda na Grécia, Aristóteles, em Ética a Nicômaco, apresentou outro argumento contra o suicidar-se. Aquele que se mata, no entender do filósofo de Estagira, não é injusto somente consigo: a injustiça seria cometida contra a cidade, e uma das possíveis punições estaria atrelada ao não sepultamento do suicida. Segue trecho quanto à ideia aristotélica:

“Um indivíduo que voluntariamente decide se matar não pode ser injusto consigo mesmo, pois deliberou acerca de seu ato e não é possível sofrer uma injustiça voluntariamente, mas ele é, na verdade, injusto em relação à cidade, razão pela qual ela pune pela desonra aqueles que se matam voluntariamente.”[17]

Na contramão desse pensamento estavam os estoicos. Eulógos exagogé, termo de origem estoica, significa saída racional, sinônimo de matar-se. Foram favoráveis à morte voluntária desde que fruto de uma escolha racional e que levasse em conta diversos fatores. Quer seja, a partir do momento em que se percebe que a vida, após análise racionalizada, lhe pareça insuportável, sofrível, desesperada, somente assim seria o suicídio plausível.

A diferença de tal raciocínio para os apresentados por Platão e Aristóteles reside basicamente no âmbito da ética: para os estoicos, “a vida e a morte não podem ser simplesmente enumeradas entre as coisas boas, como as virtudes, ou más, como as vilezas morais…”[18] Diógenes, considerado cínico[19], assim foi descrito por Emil Cioran: “Que o maior conhecedor dos humanos tenha sido apelidado de cão prova que em nenhuma época o homem teve coragem de aceitar a sua verdadeira imagem e que sempre reprovou as verdades sem reservas. Diógenes suprimiu nele a pose. Que monstro aos olhos dos outros!”[20]

Dito isso, é necessário enfatizar que a dimensão do suicídio na Idade Antiga estava mais próxima da esfera sociopolítica do que propriamente religiosa. Reside, aí, a diferença com a época medieval, período que conta com a influência maciça da Igreja Católica – variando de período para período e de região para região – no que concerne à dinâmica da vida pública e privada da Europa Ocidental.[21] A própria “Igreja, como comunidade, é a sociedade e sua globalidade, enquanto como instituição, ela é sua parte dominante que determina suas principais regras de funcionamento.”[22]

Sabendo que a Igreja igualmente funcionava como normatizadora de condutas – ao determinar parte das regras de funcionamento da sociedade europeia –, pode-se dizer que sua posição acerca do suicídio reverberava, consideravelmente, no pensamento medieval.[23] Manteve-se, desde a sua criação, avessa à autoaniquilação, condenando-a até os dias de hoje. Em 533, o suicídio foi condenado, no Concílio de Orléans, “como um pecado mais grave que o homicídio, porque o assassino sempre pode se arrepender, salvar-se, enquanto que aquele que tirou a própria vida transpôs os limites da salvação.”[24] O que seria tal julgamento senão normatizador de comportamento? Em 1563, a Igreja Católica havia realizado o Concílio de Trento e nele condenado o suicídio novamente. Por que se debruçar sobre o tema mais uma vez? Seria por que o Concílio de Orléans não havia surtido o efeito esperado e o número de mortes voluntárias havia aumentado?

Retomando os argumentos de origem grega – o de Platão e o de Aristóteles –, a Igreja Católica introduziu, à sua maneira, a dimensão religiosa à questão do suicídio e esse pensamento atravessou, não necessariamente de forma linear e igualitária na Europa Ocidental, a Idade Média sem grandes rupturas. De acordo com Fernando Rey Puente:

“A proibição à morte voluntária fundada na tríplice ofensa que ela causa – a si mesmo, à cidade e a Deus -, cabe ressaltar, terá uma longa influência na história dos argumentos contrários à morte livre e só será contestada por outros argumentos à altura do Renascimento e na Modernidade…”[25]

Na esteira desse pensamento, Dante Alighieri escreveu O Inferno, parte da trilogia A Divina Comédia, obra embebida pelo imaginário medieval. Nela, o matar-se não seria nada mais do que um atentado contra Ele. Deste modo, os suicidas, no canto XIII, foram condenados à condição de árvore por terem contrariado o Divino. Que castigo maior poderiam receber aqueles que queriam se libertar do aprisionamento da existência?

Para Carmelo Distante, A Divina Comédia propõe “uma redenção moral da humanidade que vivia submetida ao apego aos bens terrenos e às paixões mundanas e, portanto, destinada à perdição eterna.”[26] A redenção viria por meio da conciliação terrena e celestial, entre o homem e Deus, entre o ser e o sobre-humano, entre a matéria e a alma, entre o profano e o sagrado.

Espinosa, por sua vez, também condenava a autoaniquilação na sua obra Ética, de 1677. Acreditava que matar-se era ilógico ao ir de encontro com a Natureza. Segundo o seu raciocínio:

“Com a razão nada reclama que seja contra a Natureza, pede, pois, que cada um ame a si mesmo, procure o que lhe é realmente útil, deseje tudo o que realmente conduz o homem a uma maior perfeição… Nada, pois, existe mais útil ao homem do que o homem; os homens, digo, não podem desejar coisa mais valiosa para a conservação do seu ser do que convirem todos em tudo…”[27]

Conforme David Hume, no entanto, “o suicídio não é uma transgressão para com Deus.”[28] Assim, a morte voluntária não se configura como ato imoral, ao passo que aquele que se mata não causa mal algum à sociedade; deixa, tão somente, de lhe fazer o bem.[29] “O suicida tampouco pode prejudicar a sociedade, de acordo com Hume, pois, ao resolver deixá-la, ele apenas elimina a possibilidade de poder vir a fazer um bem para ela, mas não chega a prejudicá-la.”[30] Ou seja: “Para Hume, em suma, o suicídio não anula apenas as obrigações do homem para com a sociedade, mas também as da sociedade para com o homem.” E aqui é possível enxergar o diálogo que ele fez com os argumentos da tríplice ofensa que Rey Puente havia assinalado anteriormente: a si mesmo, à cidade e a Deus. Dialoga com Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino para contrapô-los em suas concepções a respeito da morte de si. Escreveu o filósofo escocês: “Se considerarmos o suicídio um crime, então só a covardia poderia nos  levar a cometê-lo. Se não o considerarmos um crime, a prudência e a coragem juntas deveriam nos levar a livrar-mo-nos de uma vez da existência, quando ela se torna um fardo.”[31]

Para se obter uma compreensão mais ampla da autodestruição, é preciso estudá-la, para além dos textos já mencionados, em conjunto com a história do suicídio na literatura ocidental. Um marco no campo literário foi O sofrimento do Jovem Werther[32], obra redigida por Johann Wolfgang von Goethe, em 1774. Werther, personagem principal, decidiu dar fim à sua existência, ao passo que não podia consumar seu amor por Charlotte – já prometida a outro homem. Quando este livro foi escrito, o romantismo surgira como forma de resistência (tentativa de ruptura) ao excesso de racionalização do mundo ditado pelo Iluminismo. Goethe, não esqueçamos, também foi o autor de Fausto, obra que dialogava, assim como O sofrimento, com a época na qual fora escrita: moderna, capitalista, sem deus, insaciável, fáustica.

Retomando a dicotomia já conhecida na Grécia Antiga entre a razão e a emoção, Werther se apresenta como interlocutor da manifestação dos sentimentos. É a personificação do jovem que está inserido em um contexto moderno e que se percebe incompreendido por aqueles que estão à sua volta: preocupados demais com a transformação do mundo exterior, esqueceram de voltar-se para si, condição sine qua non para o entendimento interior.

Dito isto, acreditava-se que, por estar tomado por suas emoções e excessos, Werther decidiu acabar com a sua vida, ao passo que essa, sem a sua amada, não teria mais sentido. Matou-se por não querer se conformar com o fardo que lhe fora dado – silenciosamente amargurou ao ver Charlotte sem poder ter tido a oportunidade de se entregar a ela. Afinal, naquele tempo casava-se mais por conta dos interesses econômicos e não propriamente por amor.

Para Rossano Pecoraro:

“O suicídio de Werther representa uma ruptura radical, um gesto que destrói todas as concepções que haviam acorrentado por séculos qualquer tipo de reflexão. Necessidade alguma impõe matar-se, não há mais situações-limite pelas quais o homem é empurrado a fazer violência a si próprio, isto é, situações desesperadas e trágicas, mas ‘objetivamente’ fundamentadas e provocadas, como desonra, sofrimentos insuportáveis, doença implacável, impossibilidade de viver virtuosamente, culpa e expiação, defesa de um ideal.”[33]

Em Kierkegaard, “o que seria a vida senão desespero?” Considerado o primeiro filósofo existencialista, cresceu ao lado de seu pai, Michael Pedersen Kierkegaard, que o criou mediante diretrizes religiosas protestantes. “O cristianismo que seu pai lhe ensinara era embasado na angústia e no desespero da obsessão do pecado original, que por fim não trazia conforto e alívio para seus crentes e era demasiadamente rígido.”[34] Na obra Temor e Tremor, analisara a questão da fé através da história Abraão e Isaac. Pertencente ao Velho testamento, essa passagem bíblica fora interpretada à luz filosófica.

A incumbência dada a Abraão – a de matar o seu filho Isaac – por Deus fora compreendida, a partir da visão kierkegaardiana, como um ato de fé, apesar de aparentar tarefa absurda: “Desta forma, Abraão saltou para o estádio religioso da existência, aceitando o absurdo da exigência divina e concordando com uma suspensão do ético e do estético, em prol do religioso.”[35] Assim, o martírio, na interpretação judaico-cristã, seria a maneira mais aceitável de suicídio (excetuando o caso de algumas virgens que foram violentadas), uma vez que a morte física seria um sacrifício, quando ordenada por Deus, que serviria como exemplo de fé.

De volta à literatura, pode-se citar Ilusões Perdidas[36], obra do francês Honoré de Balzac, que contém traços autobiográficos: é a história de dois personagens, Luciano de Rubempré, aspirante a poeta, e David Séchard, tipógrafo. Rubempré decidira mudar-se de Angoulême, cidade provinciana, para Paris, com o intuito de viver às custas da sua arte. Ao chegar à capital francesa, uma série de eventos contribuem para torná-lo desiludido. Angustiado, escreveu sua carta-testamento despedindo-se da sua irmã, Eva, pois decidira dar fim à sua existência:

“O futuro tanto me assusta que não quero futuro, e o presente me é insuportável… A morte me parece preferível a uma vida incompleta; e em qualquer posição em que me suponha, sei que minha excessiva vaidade me faria cometer tolices… A resignação, meu anjo, é um suicídio cotidiano; mas eu só tenho resignação para um dia, e vou aproveitá-la hoje…[…]”[37]    

Determinado a suicidar-se, fora até um rio quando se deparou com um viajante que fumava um charuto e que Luciano chegou a descobrir ser um padre. O eclesiasta, após dialogar com Rubempré, conseguira dissuadi-lo de matar-se ao oferecer-lhe um cargo de secretário. Mesmo não tendo dado fim à sua existência, é possível analisar a tentativa de suicídio de Luciano em consonância com a época na qual estava inserido, a moderna, e traçar paralelos com outro tema recorrente desse período e que está intimamente relacionado com a morte voluntária[38]: a angústia.

Sobre tal tema, há uma série de autores que se debruçaram na tentativa de compreendê-lo, explicá-lo, poetizá-lo. Não à toa, Álvaro de Campos também escreveu sobre isso:

“Esta velha angústia,

Esta angústia que trago há séculos em mim,

Transbordou da vasilha,

Em lágrimas, em grandes imaginações,

Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,

Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.

Mal sei como conduzir-me na vida

Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!

Se ao menos endoidecesse deveras!

Mas não: é este estar entre,

Este quase,

Este poder ser que…,

Isto.”[39]

A angústia, esse mal-estar descrito é um estado de sentir, um vazio, uma faceta do medo. Não havendo mais Deus, a quem recorrer? Para quem se virar? Em que(m) acreditar quando o próprio progresso, especialmente no final do século XIX,  parece ser tão somente uma crença infundada e sem sentido? Deve-se substituir o confessionário pelo divã e confessar seus pecados aos psicólogos?

A angústia é, antes, um sentimento necessariamente humano experimentado na solidão, ainda que haja diversas pessoas ao seu redor, tal qual descrito em O homem da multidão de Edgar Allan Poe. Na concepção de André Comte-Sponville:

“O que mais humano do que a angústia? A morte nos liberta dela, certamente, mas sem a refutar. Certas drogas a tratam, mas sem a desmentir. Verdade da angústia: somos fracos no mundo, e mortais na vida. Expostos a todos os ventos, a todos os riscos, a todos os medos. Um corpo para as feridas ou para as doenças, uma alma para as mágoas, e ambos prometidos à morte somente…”[40]

A fraqueza mencionada por Comte-Sponville remete-se ao (re)descobrimento da condição humana nos idos da modernidade: é o memento mori relembrando os angustiantes sujeitos da sua mortalidade e da finitude de seus dias,  do desencantamento do projeto modernizante que visava ao progresso, da fragilidade a qual o ser moderno estava exposto, esse tudo que era “sólido” desmanchando-se no ar.  “Aí está: nascemos na angústia, morremos na angústia. Entre os dois, o medo quase não nos deixa. O que mais angustiante do que viver?”[41]

Certa vez Franz Kafka[42], escritor tcheco de expressão alemã, em conversa com seu amigo e depois biógrafo Max Brod, chegara a dizer: “Há esperança suficiente, esperança infinita, mas não para nós.”[43] Frase ambígua e tipicamente kafkiana, está de acordo com a época em que vivera, final do século XIX e início do XX, e bem descreve o universo de seus personagens, como, por exemplo, Josef K. em O processo e Gregor Samsa em A metamorfose: angustiados e desesperançosos, não compreendem o porquê de viver e de estar ali, de permanecer na sufocante situação em que se encontram, na qual aparentemente não há saída. Acordam diariamente de sonos intranquilos para enfrentar a luta diária, que carece de significado e lhes é miserável, asfixiante. No entanto, não optam pela morte voluntária; apenas seguem, como a maioria, tal qual cordeiros sem o seu pastor. Percorrem o trajeto de sempre mesmo que não estejam fisicamente cercados: a liberdade, se é que existe, lhes parece uma ficção sem um final feliz.

Para ampliar a compreensão da morte de si, será preciso evocar Émile Durkheim no que tange à morte de si partindo de um olhar sociológico. Em O suicídio[44], analisou o fenômeno considerando os aspectos sociais que levariam o sujeito a cometer o ato suicida. Ainda nas páginas iniciais, Durkheim evidenciou a multiplicidade de sentidos que pode ser da à palavra. Desse modo, preferiu restringir o significado da seguinte forma: “O termo suicídio aplica-se aos casos de morte resultantes, direta ou indiretamente, do ato, seja negativo ou positivo, da própria vítima, que bem sabe irá produzir esse resultado.”[45]Ainda que haja, segundo sua explicação, motivações pessoais para aniquilar-se, Durkheim expôs que estas seriam fruto de fatores relacionados ao social, tais como: sociedade na qual o sujeito está inserido e suas tradições, religião e seus ritos, família e seus costumes.

Por fim, cabe destacar a análise tecida por Sigmund Freud, considerado o fundador da psicanálise. O ponto de vista psicológico freudiano, no ensaio Luto e melancolia[46], assinalou que “o suicídio é visto como tentativa de homicídio da pessoa amada, que, uma vez narcisivamente escolhida, torna-se em seguida fonte de decepção ou frustração e objeto de sentimentos contrastantes de amor-ódio.”[47] Pecoraro, porém, prefere afastar-se dessa explicação que tenta enquadrar aquele que visa à morte enquanto mero objeto de estudo, produto de um exclusivo fator, tratando-o como se fosse, para utilizar a sua expressão, um animal de laboratório. “Quem se mata (ou pensa em fazê-lo) não distingue no seu delírio de lucidez entre causas sociais e causas pessoais; o seu desespero não aumenta ou diminui conforme o nível de alienação alcançado pela sociedade na qual vive…”[48]

Feita a tal discussão, ainda que panorâmica, da história do suicídio através de algumas obras cânones já produzidas acerca do tema, chega-se ao século XX. Este foi a época em que os dois autores escolhidos para o presente trabalho, Emil Cioran e Albert Camus, enfrentaram a tarefa de compreender o fenômeno partindo de seu lugar de fala, das suas experiências pessoais e coletivas, das suas leituras e percepções.

Capítulo 2

“Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio.”[49] É com essa hipérbole que Albert Camus iniciou O Mito de Sísifo (Le Mythe de Sisyphe) uma coletânea de ensaios que investiga o fenômeno da autodestruição. Em torno desse eixo temático, escreveu-se tanto sobre Don Juan quanto o mito que originou o título do livro, assim como a esperança e o absurdo na obra de Franz Kafka. Apesar da diversidade dos textos, estes se relacionam entre si por tratarem de responder, direta ou indiretamente, à seguinte indagação: levando em consideração que a vida é absurda e destituída de sentido, valeria a pena viver?

Para a compreensão mais apurada desse e dos seus demais escritos, faz-se necessário entender o contexto no qual o autor estava inserido para que, assim, seja compreensível o porquê de o conceito absurdo ser tão recorrente na obra de Camus. Afinal, não há texto sem o devido contexto; o que não invalida, de modo algum, a singularidade de cada autor.[50]

Nascido na Argélia em 1913, foi um reconhecido escritor francês do seu tempo. Teve uma infância miserável, sendo que seu pai faleceu na Grande Guerra, em 1914. Diagnosticado com tuberculose em 1930, teve de deixar de estudar por conta de seu caso clínico. Mudou-se para a casa dos seus tios Gustave e Antoinette Acault, onde conheceu os escritos de Émile Zola, Victor Hugo e Honoré de Balzac. De regresso à escola e encorajado pelo professor de filosofia Jean Grenier, deu seus passos iniciais ao escrever seus primeiros artigos na revista Sur[51]. Ao terminar o ensino médio, ingressou na Universidade de Argel, onde também teve aulas com o professor Grenier. Em 1935, graduou-se em Filosofia da História e Lógica.

Ativo politicamente, engajou-se desde cedo em diversas causas – denunciando, entre outras coisas, a miséria dos muçulmanos no Alger Républicain – em jornais argelinos e depois franceses. Mudou-se para a França em 1940 e lá tornou-se redator-chefe do Combat, um periódico reconhecido pela crítica mordaz.

Quanto à sua posição política, pode-se dizer que esteve mais alinhado aos movimentos de esquerda. No entanto, é difícil situá-lo em um grupo específico, ao passo que não aceitou passivamente os ensinamentos da extinta União Soviética. Pelo contrário: seu relacionamento com os soviéticos era mediado pela tensão, uma vez que criticava a política de Estado da URSS.[52]

Teve contato com as obras de, apenas para citar alguns, Nietzsche[53], Kierkegaard[54] e Ortega y Gasset[55]. As questões levantadas por esses – niilismo, existencialismo, absurdo – reverberam no pensamento camusiano.  Em Camus: entre o sim e o não a Nietzsche[56], o professor Marcelo Alves investigou o quão influente seriam as ideias nietzschianas na obra do filósofo. Para ele, há uma relação ambígua entre os autores: Camus aceitou, em partes, o pensamento do autor de Além do bem e do mal, mas não sem recusá-lo em alguns pontos. Nas palavras de Alves: “As críticas de Camus a Nietzsche não raro são oriundas de reinterpretações de temas e intuições que estão na base do pensamento nietzschiano — o que, à primeira vista, o separa do filósofo alemão, mas também reforça a sua filiação com ele.”[57]

Albert Camus escreveu diversos livros, dos quais O Avesso e o Direito (1937), Calígula (1941) e O homem revoltado (1951), sendo que este último  causou controvérsias e lhe rendeu crítica ferrenha do até então amigo Jean-Paul Sartre[58], autor existencialista. Em 1957 ganhou o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto da sua obra.

Além d´O mito de Sísifo, outro título foi lançado no ano de 1942: O estrangeiro (L´Étranger)[59]. Enquanto o primeiro é uma série de textos ensaísticos que tratam de temas que giram em torno da viabilidade da existência absurda, o segundo é um romance que trata da indiferença do personagem principal, Meursault, em face da morte da sua genitora e como tal fora abordado no seu julgamento – havia sido acusado de ter matado um árabe. Ambos se relacionam partindo do mesmo objeto, a absurdidade, todavia, a enfrentam de formas distintas: Le Mythe de Sisyphe coloca questões advindas do absurdo, enquanto em L´Étranger há uma narrativa descritiva de como é a existência no absurdo.

Sobre O estrangeiro, escreveu Barreto:

“A história [L´Étranger] descreve o ambiente absurdo e como o homem locomove-se dentro dele. Não existe uma tentativa de racionalização do absurdo no livro. O relato faz com que o absurdo seja apreendido pela própria natureza da experiência de Meursault. A experiência absurda caracteriza-se por ser difícil comunicá-la a alguém que não a esteja vivendo.”[60]

Igualmente impactante, o romance de 1942 inicia-se com a frase que segue: “Hoje morreu minha mãe ou talvez ontem, não sei bem.” É como se Meursault, o personagem fictício, fosse um alter ego de Camus e tivesse escrito esse romance para interpretar o seu lugar enquanto indivíduo na sociedade, a mesma que o julgou – mais por não ter chorado no enterro daquela que lhe trouxe à vida do que propriamente pelo crime que cometeu.

O contexto em que foram escritos era, ao menos na Europa, sombrio: a Segunda Guerra Mundial. Embora seja difícil medir o quanto esse fato o influenciou na confecção dos livros que escreveu, é possível afirmar, com segurança, que tal contribuiu para o pensar do filósofo. Nas suas palavras, admitiu: “Consciente de não poder me separar do meu tempo, decidi me incorporar a ele.”[61]

Outro fator merece ser mencionado na qualidade de motivador da inquietação camusiana. De certo modo, o autor de O Avesso e o Direito foi herdeiro – mesmo que fosse um exímio crítico e iconoclasta – da tradição iluminista, projeto da modernidade que acreditava no progresso material e intelectual da humanidade e que desencadeou o processo de secularização na Europa Ocidental. Em virtude desse acontecimento, a religião deslocou-se do âmbito público para a esfera do privado. A razão, por sua vez, tornou-se o deus da Era Moderna.

Ainda que a moral no ocidente continuasse fortemente marcada pelo ethos judaico-cristã e sua influência perdurasse até os dias de hoje, a responsabilidade das escolhas passou a recair sobre o indivíduo, espécie de livre-arbítrio sem julgamento divino, já que Deus estaria morto.[62] Em Sartre, esse salto seria indicativo da liberdade que o sujeito, quer queira ou não, aparentemente desfrutaria. David Caute, na introdução da obra Idade da razão, melhor resumiu nessa livre tradução: “Pode o homem ser ‘livre’ se ele é pobre e explorado ou se ele testemunha a miséria alheia mas nada faz?”[63] Apesar de libertador, o sentimento de livre escolha também estaria relacionado à angústia moderna, sendo que o significado da existência não mais seria fruto do divino, mas sim do ser humano.

Nesse ínterim, Camus constatou que o racional, espécie de dogma do Século das Luzes, é limitado por não dar conta de explicar todos os fenômenos. Ademais, afirmou que este coabitaria com o seu antagônico, a irracionalidade, entretanto não se deteve muito nesse aspecto, visto que outros antes já discorreram sobre tal[64]. Partindo dessa premissa, os conceitos de absurdo e de revolta, palavras-chave representativas do universo de camusiano, se aproximam na tentativa de decifrar a condição humana e seu mal-estar em face daquela época: violenta, incerta, sem sentido, sem deus.

Por absurdo, Camus entendia como o estranhamento do homem, um estado de espírito que questiona a realidade que se apresenta ao sujeito. Sua própria existência se garante tão somente quando esta abarca o universo, afinal “o absurdo depende tanto do homem quanto do mundo.” [65] Ou seja, existirá apenas enquanto o indivíduo e o mundo existirem e formarem laços entre si; dessa maneira, a absurdidade surge, necessariamente, na relação de confrontamento entre ambos.  Sua gênesis está, portanto, na presença desses dois aspectos, os quais coexistem nos cumes da razão, no território do irracionável. Em outras palavras, é no seu constante debate e na sua não conciliação com o mundo – que, aliás, não é racionável – que o absurdo se apresenta ao ser humano.

Destarte, Camus definiu o que seria, no fim das contas, o homem absurdo: “Aquele que, sem negá-lo, nada faz pelo eterno. Não que a nostalgia lhe seja alheia. Mas prefere a ela sua coragem e seu raciocínio.”[66] Nada se faz pelo eterno por acreditar apenas na vida do plano terreno e não na escatologia que prevê o apocalipse. Sua coragem é proveniente da liberdade e da revolta, isto é, surge da não resignação total do sujeito em relação ao seu destino. É o agente motivador da (re)tomada de consciência visando à ressignificação do sentido da vida.[67] Ou melhor: é o confronto do homem com o (seu) mundo, que pode ser traduzido na figura do estranhamento e do inconformismo, da revolta sem fim, da tentativa de compreensão lógica do absurdo propriamente dito.

A insígnia revolta, por seu turno, “mantém a formidável conjunção de uma sempre renovada e aguerrida indignação, com uma moderação que não passa de um reconhecimento dos limites da condição humana.”[68] Dito de outra forma: é o signo que representa a aceitação das limitações sem se resignar, é “o movimento no qual o homem se volta contra uma situação que o oprime.”[69]

A escolha do mito em si é muito emblemática. Sísifo, filho de Éolo, era pastor de ovelhas e havia sido leviano por ter desafiado os deuses, em especial Zeus. Não satisfeitos com a audácia de Sísifo, condenaram-no à tarefa de carregar uma pedra ladeira acima. A rocha descende e Sísifo precisa descer para que assim possa carregá-la para o alto do morro novamente. Repetir tal façanha é o seu eterno castigo, sua amarga condenação.  Ao descender, Sísifo torna-se consciente da inutilidade da sua tarefa, eis o porquê de ser uma tragédia. A tragicidade consiste em tomar conhecimento do absurdo que é o eterno repetir, a expressão máxima da monotonia.

Sobre Sísifo, Camus discorreu: “…proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida.”[70] Percebe-se nessa condição em um curto intervalo de tempo, mas logo em seguida precisa retomar a  sua jornada. No que concerne à tragédia, escreveu Alves:

“…a tragédia, com seus heróis dilacerados entre o divino e o profano, entre a ordem e a hybris (desmedida), entre ser ou não ser, é mais do que um gênero dramático para Camus, é a fonte de uma verdade que o homem de qualquer época não pode ignorar: entre mundo e homem há uma tensão que, quando negada ou rompida, arrasta seu infrator para o sofrimento e a dor.”[71]

Desse modo, não seria Sísifo o homem contemporâneo de Camus? Aquele que de quando em vez torna-se consciente da inutilidade da sua tarefa, da falta de significação daquilo que faz?  Condicionado pelas imposições que lhe são feitas[72] – convenções sociais, a classe econômica à qual pertence, a sociedade em que está inserido, o momento histórico em que vive – e pelas escolhas que faz, é a personificação do herói absurdo. Assim como no filme Os tempos modernos, em que o personagem principal representado por Charles Chaplin está condenado à sua tarefa repetitiva, Sísifo está sentenciado a carregar o seu fardo até a exaustão. Não há para onde fugir, necessita aprender a lidar com o seu destino, que é absurdo e lhe pertence, que é único e sem propósito: é preciso imaginá-lo feliz, ainda que Sísifo tenha que rolar a sua pedra ladeira acima ad nauseam.

Dito isso, deve-se considerar que há dois caminhos que conduziriam para a solução do absurdo: o suicídio físico ou o filosófico. Aquele, na interpretação de Vicente Barreto, “faz com que o indivíduo destrua o único meio – ele próprio – de viver o absurdo.” Este, no entanto, “afasta a razão e faz com que o homem perca a lucidez, canalizando a sua inteligência para criar um mundo irreal onde o problema do absurdo possa ser ignorado.”[73] Ignorá-lo, todavia, não significa que o mesmo deixe de existir, seria apenas negá-lo.[74] “É uma maneira cômoda de designar o movimento pelo qual um pensamento nega a si mesmo e tende a superar-se no que diz respeito à sua negação. A negação é o Deus dos existencialistas.”[75]

Sabendo que “não pode haver absurdo fora de um espírito humano”[76], faz-se necessário indagar: o absurdo conduziria o sujeito necessariamente à autodestruição? Estudioso das obras de Nietzsche, Camus extrapolou a interpretação dicotômica que se prende aos binarismos – bem e mal, correto e errado, sim e não – para que pudesse responder tal questionamento satisfatoriamente. Para ele, o absurdo não seria o contrário de esperança, mas sim a constatação do irracionável, na medida em que: “É preciso dizer que o raciocínio seguido neste ensaio deixa totalmente de lado a atitude espiritual mais difundida no nosso século ilustrado: aquele que se baseia no princípio de que tudo é razão e que pretende explicar o mundo.”[77]

Na esteira desse pensamento, Camus acreditava que o suicídio tinha uma relação imbricada entre o pensar individual (não totalmente dissociado do social) e o ato de matar a si mesmo.[78] As motivações para a auto-aniquilação seriam as mais diversas e estas levam em consideração o caráter individual de cada um. “Morrer por vontade própria supõe que se reconheceu, mesmo instintivamente, o caráter ridículo desse costume [que é o de estar vivo], a ausência de qualquer motivo profundo para viver, o caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento.”[79]

De acordo com o autor de Calígula, os que se suicidam tendem a crer que a vida tem um sentido e, quando cessa de tê-lo, dão cabo à sua existência.[80] Seguem um raciocínio lógico que levaria à morte. O absurdo, porém, não está na arena da lógica. Constatá-lo, portanto, é ter consciência da não logicidade da dinâmica da vida, da limitação humana, é saber que o mundo é destituído de propósito, o que não significa não haver esperança. “Anteriormente tratava-se de saber se a vida devia ter um sentido para ser vivida. Agora parece, pelo contrário, que será tanto melhor vivida quanto menos sentido tiver. Viver uma experiência, um destino, é aceitá-lo plenamente.”[81]

Durante o processo de julgamento, em O estrangeiro, Meursault tornou-se consciente do quão absurdo a vida era. No processo de autoconhecimento – à la “conhece-te a ti mesmo” – recriou o propósito da sua existência, optou por continuar. Quando preso, escorraçou o padre que lhe oferecia serviços religiosos, uma vez que não pretendia confessar tampouco religar-se a Deus. Desejava compreender e, concomitantemente, reconciliar-se com o mundo material em que vivia. Assim, Meursault e Sísifo aceitaram, não sem revolta, aquilo que o destino lhes reservou, apesar do absurdo e do sem-significado do existir. Evitaram o autoaniquilamento, à medida que “viver é fazer que o absurdo viva.”[82] Em outros termos, manter-se vivo é compreender a necessidade de esgotar as possibilidades da vida, é não abreviar seu percurso frente à absurdidade existencial.

A título de curiosidade, Camus, quando a caminho do Brasil em 1949, escrevera em seu diário que estava lendo o Journal d´un poète, obra escrita por Alfred Victor de Vigny, poeta romântico francês do século XIX. Nela, havia descoberto traços em comum com o momento que estava vivenciando[83] e citou um trecho no qual menciona o suicídio. Na passagem, Vigny escreveu que a morte de si seria permitida quando o homem está sobrando na família. Três dias antes de citá-lo, Camus escreveu, “Por duas vezes, ideia de suicídio. Na segunda vez, sempre olhando para o mar, um terrível ardor me vem às têmporas. Acho que agora compreendo como a pessoa se mata (…) O mar é assim, e é por isso que eu o amo. Chamamento à vida e convite à morte.”[84]

Embora tenha escrito tal passagem, Camus não se matou. Faleceu em 1960, vítima de um acidente de carro. Aceitou – ou parece ter aceitado – a absurdidade da existência e carregara a sua pedra ladeira acima até o último suspiro: esgotara as possibilidades da vida até o momento em que se deparou com o seu destino.

Capítulo 3

“Não há nas farmácias nada específico contra a existência… Mas onde está o antídoto do desespero claro, infinitamente articulado, orgulhoso e seguro?”[85]  Tal questão fora posta por Emil M. Cioran[86], filósofo romeno que não encontra adjetivos por extrapolar qualquer enquadramento que pudesse ser proposto aqui. Nascido em 1911 no vilarejo de Rasinari, então território pertencente ao Império Austro-Húngaro, era filho de Emilian, um padre ortodoxo, e de Elvirei. Aos 15 anos já havia lido Diderot, Balzac, Schopenhauer, Nietzsche e Dostoievski.

Ao lado de Eugene Ionesco, Mircea Eliade, Constantim Noica e Petre Tutea, foi partícipe da chamada “Geração jovem romena” – grupo à direita que, na década de 1930, elogiava Adolf Hitler e partilhava o sentimento de modificar a Romênia.[87] A propósito do povo romeno, afirmou: “…é o mais cético que há. É alegre e desesperado ao mesmo tempo. Por razões históricas, cultiva a religião do fracasso.”[88]

Em 1932, formou-se em filosofia na Universidade de Bucareste com uma tese acerca da intuição de Bergson.[89] Um ano mais tarde, ao ser contemplado com um bolsa de estudos pelo Instituto Alemão na Romênia, foi estudar filosofia em Berlim em um momento em que o nacional socialismo estava em trajetória ascendente – sinal indicativo de sua simpatia que teria pelo regime do Terceiro Reich. Em 1936, de regresso ao seu país, escreveu A transfiguração da Romênia. Sobre este, Rossano Pecoraro referiu ser um:

“Hino à libertação e à transformação da Romênia, composto por tons reacionários, polêmicos, apaixonados e violentos. As ideias político-culturais que Cioran defende assumem, em alguns trechos da obra, uma conotação fortemente racista e xenófoba que tem como alvo principal as infiltrações estrangeiras, em primeiro lugar a dos judeus.”[90]

Mudou-se para Paris, em 1937, sob o pretexto de redigir sua tese – que nunca concluiu – sobre Nietzsche[91] graças à bolsa concedida pelo Institut Françai de Bucaret. Na cidade ideal para um fracassado[92], apesar de viver uma existência mais recolhida e longe dos cafés, Cioran começou a fazer algumas amizades, entre elas: Paul Celan, Samuel Beckett e Octavio Paz. Chegou a conhecer e conversar brevemente com Sartre e Albert Camus.[93] Com relação ao escritor de Náusea, Cioran escreveu: “Suas construções são magníficas, mas sem sal: categorias restringindo experiências íntimas, classificadas como em um fichário de desastres ou em um catálogo de inquietudes.”[94]

Após ter redigido cinco livros em romeno, decidiu-se por escrever em francês uma década após estar vivendo na cidade de Paris, “acontecimento capital em sua vida”[95] que acabou por facilitar a difusão de seus livros. Auto exilado de sua pátria e de sua língua[96], seu lugar de fala transitou, para citar alguns temas, entre a ideia de fracasso, desespero, melancolia e tédio. Ter renegado a pátria onde nasceu e ter adotado outra – com suas idiossincrasias, diferenças e semelhanças – foram determinantes na fase mais refinada de sua produção, que corresponde à sua maturidade intelectual. De acordo com Rodrigo Inácio Ribeiro Sá de Menezes, “o abandono e a rejeição [do ser romeno] nunca são totais (não poderiam sê-lo), assim como a transplantação [do romeno à expressão francesa] tampouco é perfeita.”[97] Continua, “O traço fundamental da identidade literária deste autor romeno (correspondendo ao grau zero do exílio) é sua condição de apátrida: o estrangeirismo e o bilinguismo, a existência apartada das origens, dividida entre dois universos, duas “pátrias” linguísticas e culturais tão distantes, tão distintas.”[98]

Do mesmo modo que Camus, Cioran considerava sua primeira obra, Nos cumes do Desespero, a fonte de todos os seus demais escritos.[99] Conforme Ilinca Zarifopol-Johnston, professora de literatura comparada na Universidade de Indiana, o título do livro faz alusão ao recorrente uso dessa expressão vinculado às notícias acerca dos suicídios que circulavam nos jornais romenos à época.[100] Sobre como se deu o processo da escrita, escreveu o filósofo:

“Eu errava durante a noite pelas ruas, como uma espécie de fantasma, e tudo o que escrevi posteriormente foi elaborado naquelas noites. Meu primeiro livro, Pe Culmile Disperari, remonta a esta época. É um livro que escrevi aos vinte e dois anos, como uma espécie de testamento, pois eu pensava que depois me suicidaria. Mas sobrevivi.”[101]

A visão pessimista do filósofo romeno, na interpretação de Sá de Menezes, está, além das leituras que fez, intimamente relacionada às noites em claro que passou.[102] Ter se tornado insone, enfermidade que carregou consigo durante a vida, teve reverberações em sua trajetória e naquilo que escreveu. Quanto ao inconveniente, afirmou: “…não há idéia que console na obscuridade, não há sistema que resista às vigílias. As análises da insônia desfazem as certezas.”[103] Dessa maneira, a experiência da escrita era, em Cioran, um processo de exorcismo, um mecanismo para o autoconhecimento com fins terapêuticos durante as constantes crises de insônia que tinha. Sobre si, escreveu: “Antifilósofo, abomino toda a ideia indiferente: nem sempre estou triste, logo não penso sempre.”[104]

No tocante às suas influências, podem-se destacar Kierkegaard, Wittgenstein, Espinosa, Teresa de Ávila, Kafka, Baudelaire, Schopenhauer e Mahabharata.[105] Para além destas, o filósofo de Nos cumes do Desespero, no prefácio da obra Ensayo sobre Cioran declarou que:

“Não são, todavia, minhas leituras que me formaram, mas os acidentes e encontros. Tudo que escrevi é fruto de circunstâncias, azares, conversações, ruminações noturnas… Meu estado de saúde, afortunadamente mau, é, em grande parte, responsável pela direção, pela cor dos meus pensamentos. Comecei a ser ‘eu’ graças à insônia,  a essa catástrofe à qual devo tudo e que marcou profundamente minha juventude. Se percebi certas coisas neste mundo, é porque tive a sorte de não poder dormir…”[106]

Nos dizeres de Susan Sontag, “Cioran é mais um recruta na parada melancólica dos intelectuais europeus em revolta contra o intelecto – a rebelião do idealismo contra o ‘idealismo’ -, cujas maiores figuras são Nietzsche e Marx.”[107] Aos moldes do filósofo alemão, mas sem recorrer às conceituações como Vontade de poder ou retorno[108], a escrita cioraniana era tecida em contundentes fragmentos que tratavam de assuntos variados: da releitura de autores clássicos e suas interpretações filosóficas à meditações relativas ao Eterno da condição humana, da crítica ao fanatismo à ode às prostitutas.

Filosofava sobre a existência, embora não fosse um existencialista. Igualmente, pode-se dizer que suas preocupações têm uma dimensão religiosa, embora não tivesse uma religião – era, com efeito, ateu. Assim como Nietzsche, não propôs criar sistemas filosóficos com o intuito de compreender a condição humana, afinal “os grandes sistemas, no fundo, são apenas brilhantes tautologias.”[109]Tal desilusão com esses modelos explicativos e com o modo de filosofar engessado estão bastante presentes naquilo que escreveu, como, por exemplo, nos excertos Adeus à filosofia – “A originalidade dos filósofos se reduz a inventar termos”[110] – bem como em Filosofia e prostituição – “O filósofo, desiludido dos sistemas e superstições… deveria imitar o pirronismo de trottoir que exibe a criatura menos dogmática: a prostituta.”[111]

Ocupou-se em dialogar com diversos pensadores ao tratar de temáticas modernas e pós-modernas da civilização ocidental: desespero e declínio, absurdo e alienação, futilidade e irracionalidade da existência, a necessidade de estar lúcido e autoconsciente.[112] Nas palavras de Rodrigo Inácio Ribeiro Sá Menezes, no que diz respeito à Cioran,

“Absolutamente introspectivo, não tem por cenário senão as paisagens noturnas da interioridade, uma reflexão lírica e subjetiva sobre o eu, Deus e o nada, sobre sua experiência íntima e profunda dos assuntos da ‘alma’, o desespero, a angústia, a melancolia, o êxtase, o suicídio, a solidão individual face à solidão cósmica…”[113]

Além disso, o que o filósofo romeno propôs foi “evitar a vulgaridade e a diluição do eu”, à medida que o não diluir-se “é pré-requisito para a difícil tarefa dupla de manter um eu intacto, capaz de se afirmar plenamente e, ao mesmo tempo, de se transcender.”[114] Na expressão de Susan Sontag:

“O universo de discurso de Cioran é ocupado com os temas da doença (individual e social), do impasse, do sofrimento, da mortalidade. O que seus ensaios oferecem é um diagnóstico e, quando não diretamente uma terapia, pelo menos um manual de bom gosto do espírito por meio do qual se pode ser ajudado a evitar que a própria vida se torne um objeto, uma coisa.”[115]

 Breviário de decomposição foi o primeiro livro redigido em francês por Cioran –reescrito quatro vezes. Inicialmente intitulado de Exercícios negativos[116], fora enviado à editora Gallimard em 1947, todavia sua publicação acabou por ser adiada para 1949, sendo que em 1969 ganhou a versão de bolso.[117] Um ano após ser publicado, recebeu o prêmio Rivarol.[118] Sua primeira versão fora feita quando enclausurado no Hotel Majory e a primeira edição teve a tiragem de apenas dois mil exemplares. Recebeu críticas positivas nas revistas Combat, Opéra e La Table Ronde e em 1953 fora traduzido por Paul Celan para o alemão.[119]

Na concepção de Redyson, “é um livro pesado, doloroso e totalmente negativo, ele não abre possibilidades para um acaso, o seu verdadeiro tema é o pessimismo, o cinismo e a indiferença.”[120] Ainda sobre o mesmo, afirmou Brum:

“O ‘Breviário’ expõe de forma mais nítida a filosofia cioranesca: o homem é uma criatura decaída, presa na duração e na angústia que dela decorre. Sua dor maior não é apenas a morte, à qual está inevitavelmente destinado, mas o sufocamento na insignificância e no efêmero. Açoitado pela doença e pela precariedade corporal, o animal humano possui uma alma ávida de voos eternos, mas que recai sempre em um calabouço verbal onde reside com seus fantasmas e ilusões.”[121]

Ao leitor do Breviário é oferecida uma gama de provocantes frases que advêm do estranhamento do autor face à vida – proveniente de suas experiências pessoais e do momento histórico no qual estava inserido – e que visam desconstruir lugares-comuns e provocar o desconforto em quem o lê. Dito de outra forma, o Breviário é um código de desespero[122] fragmentado em pequenos textos que ecoam, além da individualidade de quem o escreveu, o desencantamento com o projeto iluminista e seu ideal de progresso vivido à época, sentimento compartilhado com outros intelectuais do período. É uma crítica – diluída em fragmentos – aberta à racionalidade excessiva e à civilização ocidental e seu cinismo.[123] É a dialética entre a vida e a morte, o bom e o mau gostos, Ele e nós, delírio e tédio.

Mesmo que Cioran fosse um autor à margem do mainstream literário, dialogava, à sua maneira, com os assuntos em voga, especialmente no que concerne à descrença com o Iluminismo e ao pessimismo quanto aos “rumos” da sociedade ocidental. São, pois, meditações filosóficas provenientes dos problemas individuais e históricos enfrentados por este escritor romeno, à medida que “Cioran ainda está limitado às premissas da consciência historicizante…”[124]

Viver em uma época secularizada, distante de Deus, inviabilizava qualquer propósito de vida advindo do céu. A desconfiança face à crença no progresso – seja material, seja espiritual – também pairava. A Europa ocidental, na concepção cioraniana, estava doente, em declínio e obcecada com o apocalipse.[125] Assim, Breviário foi escrito na sequência da Segunda Guerra Mundial, em um contexto no qual as nações europeias estavam se reerguendo após terem sido devastadas – cenário pouco otimista. Ademais, a França havia sido invadida pelos nazistas, deixando rastros de sua ocupação na memória de quem estava ali. Apesar de não haver referência clara ao evento no livro, esse acontecimento não pode ser desconsiderado quando se faz a leitura da obra Breviário.

Ao analisar o discurso cioraniano, é igualmente preciso levar em conta as funções primordiais da filosofia: refletir, questionar, provocar. Desse modo, Cioran foi, em grande medida, um exímio provocador e sua fala concebia uma série de constatações que às vezes se aproximavam e outras vezes se contradiziam com aquilo que escreveu, ao passo que “a contradição é um elemento resolutamente constitutivo no discurso de Cioran.”[126]

Quanto à sua concepção a respeito da vida, haveria nela sentido?

“Aceito a vida por cortesia: a revolta perpétua é de tão mau gosto como o sublime do suicídio…Guardemos no mais profundo de nós mesmos uma certeza superior a todas as outras: a vida não tem sentido, não pode tê-lo. Deveríamos nos matar imediatamente se uma revelação imprevista nos persuadisse do contrário.”[127]

Quando sugeriu a morte caso fosse revelado – por quem, aliás? – que a vida teria sentido, estaria ele incitando à autoaniquilação? Seria um claro chamamento à autodestruição? Para responder tal questionamento, entretanto, é mister fazer uma breve advertência. O escritor de Nos Cumes do Desespero foi, antes de mais nada, um filósofo de formação. Por mais que sua escrita não fosse rigorosamente filosófica – no que toca ao rigor acadêmico e suas infinitas convenções… -, circulava entre os temas com os quais a filosofia se debruça e se utilizava dos instrumentos que esta oferecia para tecer análises críticas e provocadoras.

É válido lembrar que, apesar de escrever acerca do suicídio, o filósofo romeno não se matou – faleceu vítima do Mal de Alzheimer, em 1995, mesmo ano em que Gilles Deleuze se atirou do seu apartamento. Exorcizava o fantasma da autodestruição ao colocá-lo próximo de si e ao se dedicar sobre o tema incessantemente como no trecho que segue:

“Por que não tens a força de te subtrair à obrigação de respirar? Por que aguentar ainda este ar solidificado que bloqueia teus pulmões e se despedaça contra a tua carne? … Abrir tuas veias para inundar esta folha que te irrita como te irritam as estações?… Ridícula tentativa! Teu sangue, descolorido pelas noites em claro, suspendeu seu curso… Nada despertará de novo em ti a sede de viver e morrer…”[128]

No Breviário, a obsessão pela morte é latente e compõe grande parte da narrativa. Para compreendê-la, é preciso retroceder alguns anos e se aproximar da biografia daquele que lhe trouxe à luz:

“Na minha juventade, eu vivi todo dia com essa ideia, a ideia do suicídio…E se ainda estou vivo, é graças a essa ideia. Eu só pude suportar a vida graças a ela, ela foi meu suporte…E pouco a pouco essa ideia começou a se tornar algo como Deus para um cristão, um apoio; eu tinha um ponto fixo na vida.”[129]

A possibilidade de dar fim à sua existência no momento em que lhe convir é o que dá significação ao ato de existir. A vida é somente suportável, à medida que há instrumentos que viabilizam o autoaniquilamento.[130] Afinal,

“… a consolação pelo suicídio possível amplia infinitamente esta morada onde sufocamos [a vida]. A ideia de nos destruir, a multiplicidade de meios para consegui-lo, sua facilidade e proximidade nos alegram e nos assustam; pois não há nada mais simples e mais terrível do que o ato pelo qual decidimos irrevogavelmente sobre nós mesmos. Em um só instante, suprimimos todos os instantes; nem o próprio Deus saberia fazer igual.”[131]

Aparentemente contraditório, o argumento de Cioran se baseia no fato de que a humanidade está órfã de um ente religioso e precisa tomar suas decisões por conta própria. Não existem subterfúgios, tampouco há um sentido na existência propriamente dito: é necessário aceitar a vida naquilo que há de melhor e especialmente no que tem de péssimo, porque “para Cioran o mundo será sempre o pior dos mundos possíveis schopenhaueriano, mas o pior no sentido do nascer ao morrer.”[132] O pior impede que se possa ter esperança: é preciso aprender a lidar com essa condição desesperançosa, saber-se infeliz[133], conviver com a dor de ser e o tédio do existir, suportar o sofrimento e a vida, conformar-se com aquilo que se tem e com a sua condição de inútil. Viver é optar pelo estado de não-suicídio[134], uma vez que “não possuímos razões para viver nem para matar-nos: eis a fórmula cioraniana que tudo permite, tudo justifica, tudo admite.”[135]

Aliás, segundo Cioran, não há nenhuma pessoa ou instituição – Igreja Católica, Estado, família – que possa tutelar sobre a livre escolha de alguém abreviar a sua biografia. Por mais que se tentou, nunca se “inventou até o presente momento um só argumento válido contra o suicídio”, pois “a quem não pode mais suportar a vida, o que responder?”[136] Ao mesmo tempo, não se pode dizer que o filósofo romeno fez uma exortação à morte. Considerava salutar pensar sobre a morte como instrumento de libertação, mesmo que a liberdade seja “um princípio ético de essência demoníaca.”[137] Libertação aqui entendida enquanto o estado de não aprisionamento, faculdade de escolher – sem intervenção divina ou social – se deve ou não abreviar a sua vida. Em outras palavras, tratou de escrever a respeito da ideia do suicídio e não do fato em si.

Na entrevista que concedeu a Fernando Savater, mencionou ter convencido muitos a não se suicidarem, o que contribui com a interpretação de que não encorajara o suicídio. Recordou um caso ocorrido com ele: um engenheiro estava prestes a se autodestruir e foi procurá-lo. Caminharam pelo encantador Jardin du Luxembourg por cerca de 3 horas. Convenceu-o a desistir de dar cabo à sua existência, ao passo que a ideia do suicídio é libertadora tão somente quando se entende a sua extensão – ela é que faz com que a vida seja suportável desde que explorada sem pressa para tirar conclusões precipitadas.[138]

Conclusão

Situar os discursos favoráveis e contra a morte de si, historicamente, é um exercício que exige localizá-los em seu devido contexto para melhor compreendê-los. Ademais, há diferentes formas de fazer essa análise: dentre as abordagens possíveis, optou-se pelo expediente de uma história intelectual com o intuito de entender as continuidades e rupturas dos argumentos acerca do suicídio que reverberam na contemporaneidade, todavia podem remeter também à antiguidade.

 Por certo, pode-se questionar até que ponto uma obra pode ser representativa de uma sociedade, de uma época ou de um específico grupo – representaria quem, quantas pessoas? No entanto, não há como não contextualizar cada autor no período em que se está inserido; afinal, este é, igualmente, produto tanto das experiências individuais quanto coletivas e das interações decorrentes dessas. Embora cada sujeito tenha suas particularidades e sua individualidade, há que se levar em consideração a sociedade em que se vive, as interações que se tem, as relações que se estabelecem: assim, ter-se-ão, no presente caso, instrumentos mais adequados para melhor possibilitar a compreensão do surgimento – e retomada – das argumentações a favor e contra o autoaniquilamento.

O suicídio começou a ser discutido na filosofia emergente da Grécia Antiga. Até onde se tem notícia, Fédon de Platão foi o primeiro registro sobre tal: sendo que a vida não pertence ao sujeito, raciocinou o autor d´A república, logo este não deve decidir se matar. No diálogo, mencionou-se a opinião de Sócrates em relação à morte de si: esta seria admitida exclusivamente caso a ordem de se matar fosse enviada por alguma divindade. Em Críton, chegara a dizer que viver não é o que mais há de relevante, mas sim o viver bem: no entanto, não admitia que se cometesse o suicídio.

Aristóteles, discípulo de Platão, preferiu ancorar sua argumentação levando em conta o aspecto mais voltado para o social: Em Ética a Nicômaco, afirmou que aquele que visa ao autoaniquilamento não comete injustiça somente consigo, mas também contra a cidade. Sendo o sujeito um animal político, sua função seria visar o bem comum da cidade, logo matar-se seria desonroso para com a pólis.

Séculos depois, na Idade Medieval, esses argumentos foram ressignificados: adicionou-se uma dimensão mais religiosa à questão. Suicidar-se passou a ser considerado, aos olhos da Igreja Católica[139], ofensivo não somente em relação a si próprio e à cidade, mas sim a Deus. Afinal, a vida era compreendida como sendo o bem mais precioso concedido. Matar-se, então, seria atentar contra Ele. Não à toa houve uma série de iniciativas advindo da Igreja durante esse período com o intuito de normatizar a conduta da sociedade, ao passo que essa instituição procurava determinar o padrão de comportamento social de acordo com as suas diretrizes.

No concílio da cidade de Orléans, decretou-se que o suicídio seria um pecado de gravidade maior que o homicídio. Mais de mil anos depois, outro concílio – desta vez em Trento – voltou a condenar a morte de si. Embora tenha havido ruídos dissonantes daquilo que fora apresentado por Platão, Aristóteles e pela Igreja Católica no que tange ao suicídio, este trabalho de conclusão de curso buscou mostrar que estas três linhas argumentativas atravessaram os séculos, sendo reinterpretadas – ainda que para tecer críticas e contrapô-las – até chegar ao século XX, período em que Camus e Cioran viveram.

Insones e leitores de Nietzsche, Kierkegaard, Schopenhauer e Dostoievski, estavam inseridos em um contexto sombrio, desprovido de cor e desacreditado face à crença no progresso, projeto da Modernidade. A “solidez” moderna desmanchava-se no ar, tornando-se poeira. Herdeiros da tradição Ocidental e, por conseguinte, da moral judaico-cristã, se mstrou ser possível, apesar de suas diferenças, fazer aproximações entre esses dois autores ainda que tenham diferenças: ambos se exilaram e moraram em Paris em 1940 durante a II Guerra Mundial.

Nesse momento, as ideologias – sejam de esquerda ou de direita – ganhavam mais legitimidade e adeptos, à medida que os sistemas filosóficos foram sendo aos poucos superados enquanto modelos que pudessem dar conta de certas inquietações. A própria filosofia, desde Nietzsche, havia sido reinventada: surgira um filosofar mais aforístico e mais pessoal. Na verdade, nada mais que uma reminiscência dos filósofos pré-socráticos, como Heráclito.

Camus e Cioran, inseridos nesse contexto, chegaram a afirmar consensualmente que a vida é desprovida de sentido[140]: nem a religião, tampouco a filosofia ou a ciência podem prover a existência de significado. Afinal, Nietzsche havia decretado a morte de Deus E os sistemas filosóficos, como assinalou Susan Sontag, haviam sido superados no século XIX[141] e o discurso científico havia se mostrado incapaz de responder às questões de onde vim, onde estou e para onde vou.

No que diz respeito à revolta, Cioran distancia-se de Camus, uma vez que não há nada que possa a ser feito – a esperança é desnecessária[142] – para alterar o curso dos fatos. Revoltar-se é uma ação inútil, é preciso aprender a lidar com o tédio e a rotina, com as incertezas e relações líquidas modernas. Viver é conformar-se com o fato de que não há sentido na vida: “Conformista, vivo, tento viver por imitação, por respeito às regras do jogo, por horror à originalidade.”[143]

Em Camus, por sua vez, há a necessidade de não se resignar, uma vez que é preciso insurgir-se contra aquilo que oprime. A absurdidade da existência não impede que o sujeito se revolte. Deve-se viver embora a vida seja um absurdo e enquanto se vive é mister que se revolte: insubordinar-se é preciso. Como escreveu Vicente Barreto, “a revolta torna-se positiva quando o revoltado toma consciência da profundidade da sua afirmação ao dizer ‘não’’’.[144]

Pecoraro, quando tratou a questão do suicídio à época em que Camus e Cioran viveram, concluiu:

Na Grécia Antiga e em Roma, os suicidas alçavam-se além da vida, morrendo para defender um ideal, uma fé, a própria pátria, a própria honra. Mas em um mundo moderno que não possui mais valores, forças, ideias, o dar-se à morte, queixa-se Leopardi, pouco tem de heroico. O suicídio é o sintoma de uma época niilista, desencorajada, desanimada, invadida pelo tédio, consciente da miséria objetiva e subjetiva do universo e da espécie humana.”[145]

Referências

Fontes:

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[1] http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs398/en/ Acessado em 04.05.2017

[2] MOREIRA, Isabela. A geração mais vulnerável. In: Revista Galileu. Edição 310. Maio de 2017. Editora Globo. P.32

[3] https://www.thesun.co.uk/tech/3003805/blue-whale-suicide-game-online-victims/ Acessado em 04.05.2017

[4] MOREIRA, Isabela. A geração mais vulnerável. In: Revista Galileu. Edição 310. Maio de 2017. Editora Globo. P.33

[5] Lançado em 2007.

[6] MOREIRA, Isabela. A geração mais vulnerável. In: Revista Galileu. Edição 310. Maio de 2017. Editora Globo. P.34

[7] http://www.independent.ie/business/technology/netflix-suicide-show-sends-dangerous-message-to-teens-35664950.html Acessado em 04.05.2017

[8] MOREIRA, Isabela. A geração mais vulnerável. In: Revista Galileu. Edição 310. Maio de 2017. Editora Globo. P.31

[9]  Neste trabalho, o vocábulo “Ocidente” levará em conta a heterogeneidade das manifestações culturais que são, até certo ponto, marcadas pela influência judaico-cristã, entendida aqui como um conjunto de práticas diversas que não pertencem exclusivamente à Igreja Católica. Mesmo aqueles que não professam o judaísmo ou o cristianismo estão passíveis de serem influenciados por essas interpretações morais da sociedade.

[10] PUENTE, Fernando Rey. P. 14. Como sugeriu Peter Burke, “o interesse do governo pela língua é característico do Estado moderno”. BURKE, Peter. A arte da conversação. Tradução de Álvaro Luiz Hattnher. São Paulo: Editora UNESP, 1995. P.47

[11] PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática. 1944. P.22.

[12] Trajetória não necessariamente linear e homogênea.

[13] STONE, Isidor Feinstein. O julgamento de Sócrates. Tradução: Paulo Henrique Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. P. 156.

[14] SANTOS, 2007. P. 82. In: Apologia de Sócrates. Platão.

[15] PECORARO, Rossano. Cioran: a filosofia em chamas. P.93

[16] AQUINO, Tomás. Suma de teologia II, Q. 64, a.5. In: Os filósofos e o suicídio. Fernando Rey Puente, organizador. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.P.78-79.

[17] PUENTE, 2008. P.19.

[18] PUENTE, 2008. P.22.

[19] À época, o significado de cínico era divergente daquele que se tem hoje: era aquele que falava – ou acreditava falar-  “a verdade.”

[20] CIORAL, Emil M. Breviário de decomposição. Tradução José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. P.72

[21] Não é tarefa simples divisar a diferença do público e do privado na Época Medieval. Ademais, a descentralização dos poderes facilitava para tal, assim como para a atuação da Igreja Católica.

[22] BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: globo, 2006. P.168

[23] Isso não significa que todos, à época, aceitavam completamente isso sem contestar, mesmo que parcialmente.

[24] CIORAN, 1989. P. 45.

[25] PUENTE, 2008. P.30

[26] ALIGHIERI, Dante. A divina comédia – inferno. Tradução: Italo Eugenio Mauro. São Paulo: ed. 34, 1998. Introdução. P.13.

[27] SPINOZA, Baruch de. Ética. Rio de Janeiro: Ediouro. P.150.

[28] HUME, David. Do suicídio. In: Da imortalidade da alma e outros textos póstumos. Ijuí: Editora Unijuí, 2006. p.33.

[29] Clara referência à argumentação de Aristóteles.

[30] PUENTE, Fernando Rey. Os filósofos e o suicídio. P.35

[31] HUME, 2006. P.45.

[32] À época, muitos leitores acabaram por optar pelo mesmo caminho de Werther ao se suicidarem após a leitura da obra: chamou-se tal de Efeito Werther.

[33] PECORARO, Rossano. Cioran: a filosofia em chamas. P.111-112.

[34] FERNANDES, Mônica Aparecida. CAMPOS, Ronny Francy. Temor e tremor: a natureza da fé no pensamento de Kierkegaard para a atualidade. In: Cognitio: revista de filosofia. P.13.

[35] Ibid. P. 17.

[36] Foi lançada entre os anos de 1837-1843. Publicada em intervalos longos, ora em folhetins, ora em outros volumes.

[37] BALZAC, Honoré de. Ilusões Perdidas.  Tradução de Ernesto Pelanda e Mário Quintana. São Paulo: Abril Cultural, 1981. P.336. Na sequência da história de Ilusões Perdidas, Balzac escreveu Esplendores e misérias das cortesãs. Aí Luciano de Rubempré finalmente comete suicídio.

[38] Não que a angústia seja a única motivação para o suicídio, uma vez que há motivos diferentes que influenciariam desejar a morte de si.

[39] PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944. P.54

[40] COMTE-SPONVILLE, André. Bom dia, angústia! São Paulo: Martins Fontes, 1997. P. 12.

[41] Ibid. P. 11.

[42] (1883-1924).

[43] Citado em +3 questões Sobre Kafka. Kathrin Rosenfield e Márcio Seligmann-Silva http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2210200002.htm Acessado em 02.05.2017.

[44] Originalmente publicado em 1897.

[45] DURKHEIM, Émile. Suicide. Collier-Macmillan: Canada, 1966. P. 44 “The term suicide is applied to all cases of death resulting directly or indirectly from a positive or negative act of the victim himself, which he knows will produce this result.” P.44.

[46] Publicado em 1917.

[47] PECORARO, Rossano. P. 120.

[48] Ibid.

[49] CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. P.17. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. 6ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2008.

[50] A morte do autor, Roland Barthes, é muito questionável. Seria possível separar a escrita da experiência? O que seria Fragmentos de um discurso amoroso senão um livro cofessional baseado naquilo que Barthes vivenciou?

[51] BARRETO, Vicente. Camus: vida e obra. Editora Paz e terra, 1971.

[52] Por conta da militância antifascista, participou das atividades do Partido Comunista, mas logo rompeu laços com o PC.

[53] Friedrich Wilhelm Nietzsche: filósofo alemão que nasceu em 1844 e faleceu em 1900.

[54] Søren Aabye Kierkegaard: filósofo dinamarquês que nasceu em 1813 e faleceu em 1855.

[55] Jose Ortega y Gasset: filósofo espanhol que nasceu em 1883 e faleceu em 1955. “Eu sou eu e mais as minhas circunstâncias” é de sua autoria.

[56] ALVES, Marcelo. Dissertação defendida no ano de 1998 na Universidade Federal de Santa Catarina.

[57] ALVES, Marcelo. P.110

[58] Jean Paul Sartre: escritor francês que nasceu em 1905 e faleceu em 1980.

[59] O estrangeiro foi escrito em 1940 e logo em seguida começou a ser redigido O mito de Sísifo.

[60] BARRETO, Vicente. P.147.

[61] CAMUS, 2008. P.100.

[62] A morte de deus havia sido decretada por Nietzsche, em Gaia Ciência, ao passo que a secularização ganhava cada vez mais força no final século XIX.

[63] SARTRE, Jean-Paul. The age of reason. Great Britain: Penguin books, 1986. “Can a man be ‘free’ if he suffers poverty and exploitation, or if he witnesses the misery of others but does nothing?” Introduction. Page: IX.

[64] “A crítica ao racionalismo foi feita tantas vezes que parece não haver mais o que dizer.” CAMUS, Albert. 2008. P.36

[65] Ibidem. P. 35

[66] Ibidem. P.79.

[67] O homem revoltado, lançado em 1951, será a expressão máxima do refinamento do conceito camusiano de “revolta” desenvolvido antes em O mito de Sísifo.

[68] OLIVEIRA, Bernardo Jefferson de. A revolta em Albert Camus. Rio de Janeiro: Booklink, 2001. P.18.

[69] OLIVEIRA, Bernardo Jefferson de. P. 35.

[70] CAMUS, Albert, 2008. P. 139.

[71] ALVES, Marcelo. P.49.

[72] “…o homem absurdo compreende que não é realmente livre.” CAMUS, Albert, 2008. P.70.

[73] BARRETO, Vicente. P.50.

[74] Analogamente, pode-se dizer que invisibilizar a existência de um pedinte não faz com que ele desapareça. Seria apenas negá-lo tal como Camus propõe em se tratando do absurdo.

[75] CAMUS, Albert, 2008. P.54-55.

[76] Ibidem. P. 45.

[77] Ibidem. P.55.

[78] “Sempre se tratou o suicídio apenas como fenômeno social. Aqui, pelo contrário, trata-se, para começar, da relação entre o pensamento individual e o suicídio.” Ibidem. P.18.

[79] Ibidem. P. 19.

[80] “Aqueles que se suicidam, pelo contrário, constumam ter certeza do sentido da vida.” Ibidem. P. 21.

[81] Ibidem. P. 65

[82] Ibidem. P. 66

[83] “Mas é também porque meu interesse nesse momento não está realmente voltado para os seres e sim na direção do mar e dessa profunda tristeza em mim, à qual não estou habituado.” CAMUS, Albert. Diário de viagem. Tradução de Valerie Rumjanek Chaves. Editora Record: Rio de Janeiro, 1978. P.68

[84] Ibidem. P.60

[85] CIORAN, Emil M. A consciência da infelicidade. In: Breviário de decomposição. Tradução José Thomaz Brum. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. P.37.

[86] Autor ainda pouco lido no Brasil apesar de já ter-se escrito sobre ele no ano de 1968 no Jornal do Commercio. Quando se fez uma busca na plataforma estantevirtual.com.br, 15/04/2017, foram achados apenas dois títulos seus e o outro sobre a sua obra organizado por Deyve Redyson. Outra evidência é a de que nem todas as obras de Cioran foram traduzidas para o português e que quase não há trabalhos acadêmicos a respeito do autor.

[87] REDYSON, Deyve. (organizador) Emil Cioran e a filosofia negativa: homenagem ao centenário de seu nascimento. Porto Alegre: Sulina, 2011. P.11.

[88] “El pueblo rumano es el más escéptico que hay: es alegre y desesperado a la vez. Por razones históricas, cultiva la religión del fracaso.” Entrevista publicada no El País no dia 25 de outubro de 1990. Acessado em 02 de abril de 2017. http://elpais.com/diario/1990/10/25/cultura/656809202_850215.html.

[89] REDYSON, 2011. P.10.

[90] PECORARO, Rossano. Cioran: a filosofia em chamas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. P. 19.

[91] “Em 1937, Cioran chega a Paris para fazer uma tese sobre Nietzsche que jamais concluiu…” Apresentação. José Thomaz Brum. Breviário de decomposição. P.9.

[92] Cioran definiu Paris de tal forma. Citado em Pecoraro, 2004. P. 21.

[93]REDYSON, 2011. P.12-13.

[94] CIORAN, Emil. Sobre um empresário de ideias. In: Breviário de decomposição.

[95] REDYSON, Deyve. Introdução. P. 12

[96] “Um homem que se respeita não tem pátria. Uma pátria é algo pegajoso”, escreveu Cioran em um de seus livros franceses, Écartèlement.” Citação de Cioran extraída de Do exílio metafísico: existência, escritura e destino em Cioran. In: Ipseitas. Vol 2. N 2. Julho-dezembro de 2022. P.233

[97] MENEZES, Rodrigo Inácio Ribeiro Sá. Do exílio metafísico: existência, escritura e destino em Cioran. In: Ipseitas. Vol 2. N 2. Julho-dezembro de 2022. P.234.

[98] MENEZES, Rodrigo Inácio Ribeiro Sá. Do exílio metafísico: existência, escritura e destino em Cioran. In: In: Ipseitas. Vol 2. N 2. Julho-dezembro de 2022.

[99] “Este livro [Nos cumes do desespero] é considerado pelo autor [Cioran] a fonte de todas as obras posteriores.” José Thomaz Brum. Introdução de Breviário de decomposição. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. P. 9.

[100] “Its title makes makes a direct allusion to suicide notes placed in contemporary Romanian newspapers of the period…” Introduction. P. XV. Cioran, Emil. On the heights of despair. Chicago: The University of Chicago Press, 1992.

[101] REDYSON, 2011. p. 287 apud P.10

[102] MENEZES, Rodrigo Inacio Ribeiro de Sá. Dissertação de mestrado: O animal enfermo: pessimismo antropológico e a possibilidade gnóstica na obra de Emil Cioran. Defendida em 2007. PUC/SP. P.13-14.

[103] CIORAN, Emil. Invocação à insônia. In: Breviário de decomposição, 1989. P. 164.

[104] Ibidem. P.101. Referência a “cogito ergo sum” de Descartes.

[105] REDYSON, 2011. p. 9

[106] REDYSON, 2011. p. 139

[107] SONTAG, 2015. P.93

[108] Nietzsche e Cioran se aproximam, igualmente, no que tange à crítica ao culto da verdade e à visão de mundo niilista. Ademais, “para ambos [Nietzsche e Cioran] a crítica da ‘verdade’ está intimamente vinculada com a atitude face à ‘história.” Ibidem. P.102.

[109] CIORAN, 1989. P.55.

[110] Ibidem. P. 56.

[111] Ibidem. P.86.

[112] “…despair and decay, absurdity and alienation, futility and the irrationality of existence, the need for total lucidity and self-awareness…” Introduction. P. XIII. CIORAN, Emil. On the heights of despair. Chicago: The University of Chicago Press, 1992.

[113] MENEZES, Rodrigo Inacio Ribeiro de Sá. Tese de doutorado: Existência e escritura em Cioran. Defendida em janeiro de 2022. PUC/SP. P.33

[114] SONTAG, 2015. P.100

[115] Ibidem. P. 104

[116] REDYSON, 2011. P.12

[117] MENEZES, Rodrigo Inacio Ribeiro de Sá. Dissertação de mestrado: O animal enfermo: pessimismo antropológico e a possibilidade gnóstica na obra de Emil Cioran. Defendida em 2007. PUC/SP. P.36

[118] REDYSON, 2011. P.14

[119] PECORARO, Rossano. P.23-25.

[120] REDYSON, 2011. P.14.

[121] BRUM, J. T., “O amargo saber de Cioran”, O Globo, Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1991, p. 4.

[122] José Thomaz Brum. Introdução Breviário de decomposição, 1989. P. 09.

[123] “Que o maior conhecedor dos humanos tenha sido apelidado de cão [Diógenes Laércio] prova que em nenhuma época o homem teve a coragem de aceitar sua verdadeira imagem e que sempre reprovou as verdades sem reserva.” CIORAN, 1989. P. 72

[124] SONTAG, 2015. P.105.

[125] Na esteira dessa discussão, Umberto Eco escreveu que “o conceito de fim dos tempos é hoje mais próprio do mundo laico que cristão.” ECO, Umberto. MARTINI, Carlo Maria. Em que crêem os que não crêem? Record: 1999. P.6

[126] MENEZES, Rodrigo Inacio Ribeiro de Sá. Tese de doutorado: Existência e escritura em Cioran. Defendida em janeiro de 2022. PUC/SP. P.11

[127] CIORAN, 1989. P.110-111.

[128] CIORAN, 1989. p. 95.

[129] PUENTE, Fernando Rey. P.48.

[130] “Existe maior riqueza do que o suicídio que cada um carrega em si?” CIORAN, 1989. P.45.

[131] Ibidem. P. 44.

[132] REDYSON, Deyve. O interesse pelo pior: o conceito de péssimo na metafísica de Cioran. In: Emil Cioran e a filosofia negativa: homenagem ao centenário de nascimento. P. 59

[133] “Todos os seres são desgraçados, mas quantos o sabem?” CIORAN, 1989. P.37

[134] “E esse nada, esse tudo não pode dar sentido à vida, mas ao menos a faz perseverar no que é: um estado de não-suicídio.” Ibidem. P.27

[135]  PECORARO, 2004. P. 132

[136] CIORAN, 1989. P.45

[137] Ibidem. P.62

[138] CIORAN, Emil. El último dandi. [25 de outubro, 1990]. Madrid: El País. Entrevista concedida a Fernando Savater. http://elpais.com/diario/1990/10/25/cultura/656809202_850215.html Acessado em 08/04/2017.

[139] Sendo a Igreja Católica a instituição medieval mais abrangente, embora não homogênea, pode-se dizer que suas opiniões reverberam não em sua totalidade, mas em uma parte considerável da sociedade ocidental na Idade Média.

[140] Embora Cioran chegara a escrever “Guardemos no mais profundo de nós mesmos uma certeza superior a todas as outras: a vida não tem sentido, não pode tê-lo.” CIORAN, 1989. P.110-111.

[141] “Uma das repostas ao colapso da construção de sistemas filosóficos no século XIX foi o nascimento das ideologias…” SONTAG, 2015. P. 88.

[142] “Doentes de esperança, esperamos sempre; e a vida não é mais do que a espera hipostasiada…” CIORAN, 1989. P. 53.

[143] Ibidem. P. 110.

[144]  BARRETO, 1971. P.71.

[145] PECORARO, 2004. P. 114.

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