Cadernos Nietzsche no. 8, p. 35-41, 2000

Resumo: Este artigo procura estudar a presença do filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662) na obra de Nietzsche e propõe uma comparação entre os dois pensadores, na qual o estilo aforístico e as questões que dizem respeito ao cristianismo são pontos essenciais.
Palavras-chave: Pascal/Nietzsche – cristianismo – aforismo –ascetismo

Os livros mais profundos e
mais inesgotáveis terão sem dúvida sempre algo do caráter
aforístico e súbito dos Pensamentos de Pascal. Nietzsche,
Fragmentos Póstumos 1884-
1885, 35(31) (KSA, XI, p. 522).

A figura de Blaise Pascal, o mais importante representante moderno do cristianismo de S. Paulo e de S. Agostinho, sempre provocou em Nietzsche uma dupla reação. Abundam em sua obra as referências respeitosas e admirativas ao “gênio” de Pascal enquanto filósofo. Embora, ao mesmo tempo, este represente para o autor de O Anticristo (1888) o modelo exemplar do cristão, e mesmo do santo.

Pascal, que viveu em uma época (século XVII) em que a fé cristã tinha como pano de fundo o racionalismo e o ceticismo dele derivado, representa para Nietzsche o expoente religioso da negação metafísica do mundo. Não por acaso, em várias passagens de sua obra, a sua figura é comparada à de Schopenhauer, que constitui – aos olhos de Nietzsche – a “contrapartida ateísta” de Pascal.

O texto fundador da relação Pascal/Nietzsche é o aforismo 408 de Miscelânea de opiniões e sentenças (1876), intitulado A descida ao Hades. Nele Pascal é reunido a Schopenhauer em um par pessimista, que, lado a outros três (Epicuro e Montaigne, Goethe e Spinoza, Platão e Rousseau) “têm os olhos fixos em mim”, diz Nietzsche. Ora, após este reconhecimento da importância do Pascal pensador enquanto irmão da mesma família de Schopenhauer, Nietzsche – ao longo de sua obra – enumera as suas afinidades com aquele que chamou, em carta a Georg Brandes, o “único cristão lógico” (Carta de 20 de novembro de 1888).

A partir de sua primeira obra que critica explicitamente a moral cristã (Aurora, 1881) Pascal aparece para Nietzsche como um caso, um exemplo mórbido de como um intelecto brilhante se deixou seduzir pela visão cristã do mundo. Tal lamento nietzschiano encontra a sua expressão mais clara na passagem de Além do Bem e do Mal (1886), em que descreve a “fé de Pascal” como um “contínuo suicídio da razão” e um “sacrifício do intelecto”. Paradoxalmente, em Ecce Homo (1888), Nietzsche reúne na mesma afirmação admiração e crítica, ou afeto e censura, ao declarar “amar” Pascal como “a mais instrutiva vítima do cristianismo, lentamente assassinado”.

Como se vê, o grande filósofo e místico cristão é encarado por Nietzsche de uma forma ambivalente, ou ambígua. Ele declara que “quando falo de Platão, de Pascal, de Spinoza e de Goethe, sei que o seu sangue circula em minhas veias”(6), o que constitui uma declaração de afinidade espiritual entre ambos, mas, ao mesmo tempo, Pascal aparece como o adversário (Der Gegner), o inimigo exemplar – já que personifica como ninguém a religião cristã… [PDF]