Traduzido do francês: “Du succès”, in: Solitude et destin. Trad. de Alain Paruit. Paris: Gallimard (coll. « Arcades »), 2004. Artigo publicado originalmente em Mişcarea, 18 de julho de 1931 [Despre succese].

Tradução: Rodrigo Inácio Ribeiro Sá Menezes

Um homem sincero me confiou que, tendo apenas sucessos em sua vida, ele não pôde adquirir a consciência de seu valor pessoal, de suas possibilidades e limites. Essa confissão continha implicitamente a afirmação de que o sucesso é uma via de ilusões, que obscurece o processo de análise interior, do despojamento íntimo, criando, aquém das realidades, um mundo fictício de aspirações infundadas.  Iludir-se desempenha um papel essencial na psicologia do sucesso. As opiniões objetivas – derivadas de fontes duvidosas porque frequentemente interesseiras – como realidades subjetivas, independentemente de sua valorização exterior. A partir do momento em que se ilude, as opiniões dos outros são interpretadas de maneira existencial. Assim, os homens cheios de sucesso nunca terão uma justa perspectiva da ordem dos valores. Ignorando o valor exterior, eles ignoram igualmente o valor interior; não conhecem os outros e não se conhecem a si mesmos. De modo que se entusiasmam por todos os aspectos da vida. O entusiasmo caracteriza as pessoas superficiais, para as quais não existem limites objetivos para a ação, nem barreiras à sua arrogância de reformadores. Não possuindo o sentido das realidades, da ordem objetiva das coisas, da necessidade, eles se iludem permanentemente, o que, no fundo, significa que são enfatuados por sua própria pessoa. A ausência de uma consciência do valor pessoal é a fonte de todas as anomalias da vida social. Com efeito, sua origem não deve ser buscada apenas na estrutura objetiva da vida social, que é tão-somente o aspecto exterior e objetivo das razões de ordem interior que relevam de uma estrutura psíquica. Não se deve esquecer nunca a conexão entre o fato psicológico e suas objetivações. É impossível conhecer a vida social sem intuições antropológicas profundas. A teoria materialista da história tem o defeito de negligenciar o estudo do homem tal como ele se apresenta objetivamente.

Os menores sucessos da vida levam o homem a um estado artificial em que a existência é considerada como uma agradável ilusão, sem obstáculos e sem renúncias. O homem nutrido de sucesso possui isto de característico, não alcançar sua realização interior, não aspirar a se aproximar do fundo íntimo e original que constitui a especificidade de sua individualidade particular.

Ao passo que os insucessos são de uma fecundidade impressionante na vida. Eles só destroem os seres destituídos de consistência, os seres que não têm uma vida intensa, que não podem renascer. Ou seja, a grande categoria dos fracassados, que, não tendo vitalidade suficiente para superar um fracasso temporário, tornam-no permanente. A ausência de um núcleo interno conduz a uma morte precoce.

Os insucessos desenvolvem a ambição da realização pessoal, da ultrapassagem de si. Eis porque eles são um meio – que poucos desejam – de se conhecer e produzir o que quer que seja. O meio mais seguro de ter êxito honrosamente na vida é sabendo despertar em si grandes ambições; os sucessos não as despertam. Pelo contrário, eles paralisam quando se seguem sem descontinuidade. O que explica porque os grandes favoritos da vida são figuras antipáticas. Sem que tenham precisado opor aos acontecimentos nenhuma resistência pessoas, não tiveram necessariamente a ocasião de sacar a medida de suas forças. São pessoas que dão conselhos e que fazem de la morale, o que testemunha uma profunda incompreensão da vida.

Para a maioria dos mortais, para o homem mundano, o sucesso é o único critério do valor. É apreciar unicamente a função social da ação, que certamente não é insignificante; mas não é essencial. Convém considerar também o fator íntimo, pois ele se encontra na origem da ação. O sucesso pode ser para ele um fracasso, do qual não se dá conta. Os critérios não constituem padrões imutáveis, quadros de referência transcendentais: são tão relativos quanto as ações que buscam enquadrar em categorias ou simplesmente julgar.

*

Fragmentos relacionados:

“Enquanto um ser ascende, prospera, avança, não se sabe quem ele é, pois sua ascensão o afasta de si mesmo, rouba-lhe realidade, e assim ele não é. Do mesmo modo, só nos conhecemos a partir do momento em que começamos a decair, quando o êxito, ao nível dos interesses humanos, se revela impossível: derrota clarividente graças à qual, tomando posse de nosso próprio ser, nos separamos do torpor universal.” (História e utopia)

“É nisto que se reconhece aquele que tem propensões para a busca interior: ele porá acima de qualquer êxito o fracasso, procurá-lá até, escusado dizer que inconscientemente. Isto porque o fracasso, sempre essencial, nos revela a nós próprios, permite que nos vejamos tal como Deus nos vê, ao passo que o sucesso nos afasta do que existe de mais íntimo em nós e em tudo.” (Do inconveniente de ter nascido)

“Os entusiastas começam a tornar-se interessantes quando são confrontados ao fracasso e que a desilusão os torna humanos. O bem-sucedido em tudo é necessariamente superficial. O fracasso é uma versão moderna do nada. Ao longo da minha vida, estive fascinado pelo fracasso. Um mínimo de desequilíbrio ímpõe-se. Ao ser perfeitamente sadio física e psiquicamente falta um saber essencial. Uma saúde perfeita é a-espiritual. (Entrevistas com Sylvie Jaudeau).