RUBEDO — Revista de Psicologia Junguiana e Cultura
“Também no futuro, no oeste e no leste, não faltarão motivos para se rejeitar Nietzsche. Nada mais fácil, pois ele, decerto, não cabe nas gavetas que o mundo burguês ou socialista mantém preparadas para filosofias políticas. Mas também a democracia, para silenciar inteiramente acerca da modernidade e de suas promessas de liberdade, tem seus perigos específicos. Nietzsche os vê, e vê apenas eles. Mas quem não quer apenas amaldiçoar Nietzsche, respeita-lo-á como adversário da democracia e da modernidade, adversário de quem se pode aprender. Era-lhe estranho, em todo caso, também nos anos oitenta, a separação entre mundo burguês e socialista e, como se manteve ao mesmo tempo distante dos dois, ele tem algo a dizer a ambos.” (Ottmann, H. 1987, p. 294)
Já se consagrou como corrente de interpretação largamente difundida aquela que distingue na filosofia de Nietzsche uma intenção e significado fundamentalmente políticos. Nesse sentido caminha, por exemplo, a recepção do início do século (posteriormente conhecida como ‘culto a Nietzsche’ – em especial ao longo dos anos 20 e 30 -), que o considerava defensor de um ultra-libertário amoralismo esteticista, socialmente irresponsável, desprezando vínculos de solidariedade para com os direitos fundamentais da pessoa; também aquela que o interpreta como partidário de um maquiavelismo despótico, retrógrado, saudosista das aristocracias grega e renascentista, ou como precursor dos sistemas ideológicos totalitários e mesmo kriptofacista; mas não faltaram também exegeses em sentido inverso, que acentuavam a rebeldia emancipatória presente na filosofia política nietzscheana, seu curioso parentesco teórico com a esquerda hegeliana de M. Stirner ou até mesmo com o anarquismo. De toda maneira, é no espectro variado de interpretações dessa espécie que se cristalizou um entendimento político da filosofia nietzscheana. Assim é que, durante a trajetória montante do nacional-socialismo e no período de sua consolidação, A. Bäumler e A. Rosenberg, por exemplo, vêm em Nietzsche uma justificação filosófica de seu regime totalitário; e G. Lukács, nos anos cinqüenta, em especial em seu famoso livro A Destruição da razão, julga poder situar o essencial do pensamento de Nietzsche em sua visceral hostilidade para com o socialismo, apostrofando-o de fundador do irracionalismo característico do período imperialista do capitalismo ocidental. [Texto integral]